O uso de celular no trabalho pode ser um verdadeiro problema para empregadores e empregados, e afetar totalmente as relações trabalhistas e a produtividade. Vivemos em uma época em que é muito comum as pessoas gastarem bastante tempo manuseando os seus celulares. Seja na rua, em casa ou no trabalho, podendo, assim, interferir nas atividades do dia a dia e até diminuir o rendimento profissional.
O “duelo” celular x trabalho é antigo, e fica cada dia mais tenso e preocupante, pois o número de pessoas com acesso aos smartphones e redes sociais cresce diariamente, principalmente depois da “descoberta” do famoso aplicativo whatsApp.
Além do whatsApp, os smartphones possuem também ferramentas para envio de e-mail, leitura de notícias e oportunidade de conversas em outros tipos de redes sociais, como Facebook, Twitter e Instagram. Porém, o uso constante e descontrolado do aparelho pode afetar a produtividade do colaborador no local de trabalho e também causar a sua demissão por justa causa.
Sendo assim, como proceder? O que a Empresa pode exigir de seus empregados, sem ferir seus direitos constitucionais? Como o empregado deve se portar? Qual a postura ética esperada por ambas as partes?
Com a tecnologia, barreiras são quebradas, soluções encontradas e com ela nascem outros dilemas e demandas a serem enfrentadas. A sociedade evoluiu e os meios de comunicação também, o direito precisa acompanhar essas mudanças. O uso do celular no trabalho para fins pessoais tem incomodado, mas veio para ficar. Como reverter essa situação quando o smartphone já se tornou um aliado presente tanto na esfera pessoal, quanto na profissional, sendo quase impossível dissociar os dois sem que haja perdas na própria produtividade? Como estabelecer limites e conscientizar colaboradores quanto ao seu uso quando o aparelho já foi absorvido como ferramenta em sua rotina de trabalho e dia a dia?
Ainda não existem leis que regulem a utilização do celular em horário de expediente, contudo, o direito de proibição está inserido no poder diretivo do empregador. Em 2017, foi proposto o Projeto de Lei n.º 9.066/2017, de autoria do deputado federal Heuler Cruvinel (PSD/GO), cujo teor previa proibir o uso de celulares durante o expediente de trabalho, salvo se utilizado para atividades laborais. Entretanto, em novembro do mesmo ano, o autor retirou a proposta de pauta para que o assunto fosse debatido com a sociedade.
A nosso ver não há qualquer necessidade de que o assunto seja previsto em Lei. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) garante ao empregador a possibilidade de estabelecer normas para conter o uso excessivo do celular, ou até mesmo proibir que o funcionário utilize o aparelho durante o expediente.
Conforme o Artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), as partes envolvidas em uma relação de trabalho têm liberdade para estipulações específicas que lhes interessem desde que não se cometa alguma contravenção à proteção do trabalho, à constituição ou a algum dissídio coletivo.
Sendo assim, nada obsta que a empresa tenha em seus normativos internos, disposição acerca da utilização de celulares pessoais e acessos as redes sociais ou páginas alheias ao trabalho e coloque no contrato de trabalho uma cláusula referente à existência de regulamentos internos, ao qual o empregado tem de respeitar assim que admitido, o conhecendo por cópia antes da assinatura do contrato de trabalho.
Faz-se necessário registrar que a lei não permite que as empresas controlem o que os funcionários tenham ou não em seus celulares, e muito menos se podem ou não baixar o aplicativo A ou B, mas ela pode restringir a utilização do aparelho no momento do trabalho.
A escolha da forma como lidar com a situação deve depender das características de cada empresa, como por exemplo, sua cultura organizacional e dependência do uso da tecnologia para comunicação interna e externa.
Existe o outro lado, claro, vantajoso para o empregador. Com tantas ferramentas digitais de comunicação, o expediente não acaba quando o trabalhador vai para casa: o smartphone aumenta muito o tempo em que o empregado está disponível. Por isso Edna Bedani, diretora-executiva de aprendizagem e conhecimento da ABRH (Associação Brasileira de Recursos Humanos), aponta “flexibilidade” e “equilíbrio” como palavras-chave ao lidar com esse novo desafio no ambiente profissional.
A jurisprudência é pacífica que cabe ao empregador autorizar ou não o uso do computador e da internet da empresa para fins pessoais. A questão que ainda não foi pacificada é o uso do celular pessoal durante o expediente.
Nas empresas em que o empregado utiliza do celular particular para o trabalho, com a ciência do empregador, não há que se falar em proibição principalmente porque o empregador esta se beneficiando do uso de um bem particular do empregado, e obtendo lucros indiretamente. Nas empresas em que o empregado não utiliza o celular para o trabalho, a análise é mais cautelosa e merece algumas considerações.
Em algumas funções é totalmente razoável a proibição absoluta do uso do celular, é o caso de funções em que há risco de vida e/ou de acidentes, ou até mesmo caso de vedações legais.
Nas hipóteses em que o celular não é usado para o trabalho e o uso do celular durante o expediente não representa risco de vida, acidente e/ou não possui vedação legal, entendemos que o empregador não deve vedar o uso do celular. A proibição fere o direito à intimidade e pode configurar como abuso de poder. Contudo, nada impede que o empregador crie regras sobre o assunto, sendo regulamento interno da empresa o melhor caminho para apresentá-las observando as funções do empregado e as incompatibilidades.
Uma solução adotada por algumas empresas que não aprovam o uso do smartphone é permitir o desligamento por justa causa como consequência do uso excessivo e recorrente do celular. A punição é justificada com base no o artigo 482 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que cita atos de “indisciplina” ou “insubordinação” precedentes para o desligamento do funcionário por justa causa. Neste caso, contudo, é recomendado que haja uma normativa interna para conscientizar o colaborador da proibição quanto ao uso do celular no ambiente de trabalho. Para isso, a empresa pode firmar um acordo de compromisso com o colaborador, a ser assumido no momento da contratação ou ao longo da relação de trabalho. Contudo, antes de haver o desligamento, a empresa pode adotar penalidades graduais, iniciando por uma notificação verbal, depois escrita, e a sequente suspensão do colaborador.
Para empresas que consideram o uso do celular um importante aliado, vendo a necessidade de apenas conscientizar seus colaboradores sobre os perigos de abusar do privilégio, uma boa forma é incentivar a autorreflexão por parte do colaborador sobre o tipo de utilização que o mesmo dá ao celular durante o expediente. Seu uso está relacionado ao desempenho do seu trabalho ou com outras questões pessoais? É possível imaginar uma mudança significativa em sua produção se não usasse seu smartphone no ambiente de trabalho? A partir dessa análise, é possível adotar medidas que administrem o uso consciente do aparelho.
Se esse for o caso, o ideal é que o gestor estimule sua equipe a colocar o aparelho em modo silencioso e, preferencialmente, guardá-lo na gaveta, utilizando-o apenas durante as pausas do trabalho ou ao completar uma tarefa. Permitir pequenas pausas no trabalho para uso de smartphones traz resultados produtivos, melhorando o cumprimento de prazos e aumentando o desempenho. Além disso, aos poucos, a tendência é criar um novo hábito e cultura dentro da organização, em que o colaborador é capaz de desenvolver o autocontrole e utilizar o aparelho não como um elemento de distração, mas como a poderosa ferramenta que ele realmente é.
Para tanto, é prudente incluir cláusulas restritivas nos contratos de trabalho e estabelecer, por meio de regulamento interno, quais são as regras para uso racional do aparelho, fixando horários pré-determinados ou limitados às pequenas pausas de descanso.
Em atividades de risco, recomenda-se que a proibição conste nos procedimentos de segurança.
Sejam quais forem as autorizações, é importante que algo as documente também, nem que seja somente por meio de circular, para registrar a comunicação e haver a possibilidade de reeditá-la não apenas verbalmente se necessário.
Regras precisam ser claras. O ideal é estabelecer o que é ou não permitido no trabalho, pois regras não escritas podem causar mal-entendidos. Outro fator importante é manter uma comunicação constante sobre o assunto, para que os trabalhadores compreendam os motivos das restrições.
Existindo regras e estas não sendo acatadas, o empregador para estar em Compliance precisa adotar uma punição gradativa, ou seja, primeiro advertir que o procedimento é contrário às normas e solicitar que cesse a conduta irregular. Caso o empregado não cesse a prática, poderá ser suspenso. Havendo reincidências e estando comprovado que a atitude causa prejuízos à empresa, é cabível até mesmo a aplicação de justa causa.
Em todos os casos é importante a clareza e objetividade do comando e o respeito ao devido processo com a documentação de todas as etapas, posto que em caso de uma demissão motivada, os documentos asseguram os direitos do empregador até mesmo em um possível processo trabalhista movido contra ele.
Concluindo, registre-se que, empresa e colaboradores têm responsabilidades e direitos quando o assunto é a utilização da internet e da tecnologia. Esclarecer os papéis de cada um e promover o bom uso da tecnologia gera benefícios a todas as partes. A elaboração adequada de uma política de uso da Internet e um manual para sua documentação deve ter como finalidade a formação de uma cultura corporativa, no sentido de beneficiar todos envolvidos, os colaboradores se tornando mais produtivos e a empresa melhorando seus resultados.
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